sexta-feira, 26 de junho de 2009

O DISCURSO DE SARNEY


Por Nivaldo Cordeiro

Eu sempre soube que Vossa Excelência, senador José Sarney, nunca foi um estadista, no sentido dicionarizado de ser uma pessoa que tem liderança política e sabedoria para se portar acima dos interesses gremiais menores e em prol dos interesses gerais. Sempre me pareceu que Vossa Excelência pautou sua vida política pela mesquinharia, pelo compadrio, pelo usufruto do poder de Estado para fazer prevalecer seus instintos de clã naquilo que tem de mais retrógrado. Tem me parecido que a ética dos cupinchas é a que preside as suas relações de poder, desde a origem.


A crise que eclodiu nos últimos dias, em torno dos atos ditos secretos do Senado (uma vergonha inominável, mais do que uma afronta à Constituição), é a expressão mais degradante das práticas nepotistas de que se tem notícia. Esses atos colocaram Vossa Excelência sob as luzes da ribalta e atraíram a ira de toda a Nação brasileira. Noticiou-se que irmão, neto, sobrinho e sabe-se lá mais quantos familiares seus foram objeto dessa forma suja de ocultação do ato administrativo ordinário. Houve uma locupletação espantosa de sua parentela com as verbas públicas.


O que mais incomodou no seu discurso é o pseudo tom majestático que Vossa Excelência lhe deu, como se o seu passado servisse de biombo para esconder as "pequenas" estripulias nepotistas que foram noticiadas, como se, associadas a elas, não estivesse a falta gravíssima de não se dar a devida publicidade legal aos atos de gestão. Não, senador José Ribamar Sarney, nem o seu passado é grandioso e nem as atuais denúncias são miudezas. Elas testemunham, sim, a mesquinharia de quem se julga dono do poder e acima das leis, como um Faraó renascido no Maranhão. Nem ditadores conseguiram essa proeza de ficarem acima das leis, quanto mais nobres senadores, símbolos da República e das práticas republicanas, que têm que dar satisfação cotidiana dos seus atos. Graças a Deus ainda vivemos dentro de uma sociedade aberta e que tem uma imprensa livre, apesar de tudo. Nada pode ter ocultação permanente, esse é o testemunho que nos ficou dos grandes escândalos recentes do governo Lula, como o do Mensalão, de triste memória.


Enumerar sua longa carreira política como álibi no seu discurso só demonstrou a má fé que o move. Qualquer um, se somar seus atos bons e esconder seus atos indignos, poderá fazer crer aos interlocutores que é um portador de santidade, uma evidente falsificação. O fato é que sua vida política, para além dos cargos eletivos ocupados e das honrarias angariadas por força desses cargos, ao longo de sua vida pública, aí incluindo a eleição para a Academia Brasileira de Letras, está longe de ser virtuosa. Toda gente sabe de sua responsabilidade maior sobre a origem da hiperinflação que legou ao término de seu mandato na Presidência da República, testemunha indelével da má gestão administrativa oriunda de sua ética de cupinchas . Eu próprio pude testemunhar a febre de nomeações imorais de levas e levas de cabos eleitorais, para cargos públicos estáveis, durante o seu governo, sob a vigência da lei anterior à Constituição atual, legalidade que jamais serviu para esconder a imoralidade do que foi feito. Os últimos dias antes de vigir a nova Constituição foram pavorosos em matéria dessas nomeações imorais, devidamente assinadas nos decretos pelo presidente em exercício, que era Vossa Excelência. Basta consultar o Diário Oficial da época, pois então não se usava a prática de atos secretos.


Nunca é demais recordar que seu Estado de origem, o Maranhão, continua a ser uma das unidades federativas mais pobres e subdesenvolvidas do Brasil, em grande parte por causa da incúria dos governantes que se sucederam no poder ao longo das últimas décadas, basicamente Vossa Excelência em pessoa, seus familiares e seus compadres políticos. Se há um atestado de incompetência de um governante, temos o mesmo dado pelas agruras que até hoje pesam sobre os compatriotas maranhenses, mais das vezes objeto de ironia precisamente pela proeminência nos cargos maiores da Nação adquirida por Vossa Excelência, representando aquela boa gente.


Que retórica mais pobre essa de tentar colocar como escudo protetor o espírito corporativo do Senado, como podemos ler no trecho: "Não é a primeira vez que digo isso aqui, vou repeti-la: a instituição é maior do que todos nós somados". Claro que a Instituição é maior do que cada um dos seus membros isolados, claro que o Senado é uma das faces do povo brasileiro. Pura redundância, um truísmo. Mas não se pode dizer que as travessuras nepotistas secretas denunciadas tornem um dos pares diferenciados dos demais em sentido positivo, mas o torna certamente diferenciado em sentido negativo, motivo de execração pública. É possível que a gravidade do escândalo leve eventualmente à abertura de processo de cassação dos responsáveis, se o Senado reagir à altura do que esperam muitos dos brasileiros, entre os quais me incluo.


"Não seria agora, na minha idade, que iria praticar qualquer ato menor que nunca pratiquei na minha vida", declarou Vossa Excelência. Precisamente o contrário, Senador. Em qualquer idade que Vossa Excelência tenha transitado no poder, mormente agora, o que se ouve é que a prática nepotista sempre foi usada, alargada para atender toda sorte de compadrio político. Os documentos vindos a públicos atestam isso à sobeja.


Querer diluir a presente crise no contexto de uma suposta crise global da instituição dos parlamentos pelo mundo é recurso sofistico atroz. É como se não existisse fato causador do escândalo que tomou conta dos meios de comunicação, como se o escândalo não tivesse motivação concreta, sabida e reconhecida. Todos os nomeados têm o seu sobrenome ou lhe são aparentados. Mesmo assim Vossa Excelência não teve pejo de dizer: "Então, é com essa responsabilidade que nunca tive meu nome associado a qualquer das coisas que são faladas aqui dentro do Congresso Nacional, ao longo do tempo, porque isso é uma crise mundial. O que se fala aqui no Brasil sobre o Congresso fala-se na Espanha, fala-se na Inglaterra, fala-se na Argentina, fala-se em todos os lugares". Ora, se seu irmão, seu neto, sua sobrinha e sabe-se lá mais quem são denunciados pela imprensa, então é o seu nome, sim, Excelência, que está conspurcado pelo nepotismo. Eles, os seus parentes diretos, estão lá precisamente porque Vossa Excelência é senador da República e no memento é o presidente do Senado Federal.
Nunca estiveram lá por méritos pessoais. Seus parentes diretos não apenas adquiriram ricos proventos em cargos públicos sob a sua jurisdição, e até mesmo um garoto que pode se dizer ainda imberbe e não formado, seu neto, lá foi nomeado. Todos usufruem ou usufruíram das sinecuras e foram para elas nomeados em atos ditos secretos exclusivamente porque carregam o seu nome, Vossa Excelência não tem responsabilidade sobre isso? Mesmo sendo Vossa Excelência o presidente em exercício da Casa? Ao contrário, tem toda a responsabilidade, sim, e é dela que lhe cobra a Nação.


Não há grandeza alguma no seu discurso, mas uma majestade postiça e inconveniente que agrediu aos que o ouviram e agride àqueles que lêem a peça. Pura retórica vazia. Uma palavra fantástica que nunca terá o poder de fantasiar o mal feito. Seu discurso bem poderia ter sido mais singelo e curto e substantivo, que dissesse o que a Nação quer ouvir, mas seria demais esperar tal grandeza. Eu nunca esperei.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Genocídio Homossexual, ou Heterofobia Estatal? A arte de distorcer estatísticas

Em 14 de junho de 2009 São Paulo apresenta o que está sendo considerado como o maior evento da cidade, superando, mesmo, a anual corrida de Fórmula 1: A Parada do Orgulho Gay. A aferição de importância é feita não somente pelo número de pessoas trazidas à cidade, e conseqüente receita contabilizada pela rede de serviços, comércio e cofres públicos, mas também, como divulgou a Globo no Jornal Hoje de 13.06.2009, pela imensa infra-estrutura de organização, apoio e "segurança" - tudo pago, compulsoriamente, com a arrecadação do meu e do seu dinheiro, quer concordemos ou não com a prática.

Há muito estamos observando a imposição do estilo gay de vida sobre a sociedade, que cria não apenas uma classe de intocáveis e "não-criticáveis", mas um segmento subsidiado, fomentado e imposto pela máquina governamental. A pressão se demonstra, como exemplo, pela legislação (Projeto de Lei 122/2006, que tramita no Senado Federal e que tem como relatora a Senadora Fátima Cleide) cujo nascimento se avizinha, tendo como parteiros os nossos legisladores; mas também pelo silenciar, quase compulsório, de qualquer oposição. Hoje em dia quase que não há voz que arrisque o seu pescoço político e se oponha às pressões heterofóbicas. Alguns, como o Deputado Henrique Afonso, são alvo de processo de expulsão do partido (PT), porque suas convicções pessoais falaram mais alto do que a ditadura do partido, que aprisiona a consciência dos seus membros em causas abortistas e heterofóbicas (veja: "Dinheiro Público Desviado para Causa Abortista", neste site). A sociedade, narcotizada, vai sendo levada não apenas à deriva, mas navegando a um destino que resultará em sua própria extinção, pelo menos por falta de descendentes, a prevalecer a idéia de que podemos brincar impunemente com a estrutura básica biológica e metafísica dos seres humanos, implantada pelo Criador em suas criaturas.

Como se não bastasse essa via governamental, que contraria gritantemente, o art. 5º, da nossa Constituição ("todos são iguais perante a lei..."), querem nos enganar com estatísticas falsas, não substanciadas, e com distorções de notícias procedentes do universo gay. Em 09 de dezembro de 2008 a Folha de São Paulo trouxe uma carta, no "Painel do Leitor" discutindo notícias recentes sobre assassinatos de homossexuais em uma praça de São Paulo, que eram investigados pela polícia. Nela, o missivista, o conhecido defensor da causa gay, recebedor de constante apoio governamental (deste e do governo anterior): Luiz Mott. Na carta, ele falava de um "genocídio de homossexuais" que estaria ocorrendo no Brasil. Obviamente, como cristãos e cidadãos ordeiros dessa nação brasileira, somos contra qualquer assassinato. Acreditamos até que a punição corrente para esses crimes seja por demais suave, no entanto, esse rótulo de "genocídio homossexual" é curioso, estranho e intrigante. A expressão não pode ser pacificamente aceita, sem análise maior.

Uma das estatísticas mais utilizadas é a de que "a cada três dias um homossexual é assassinado no Brasil". Essa tem sido a principal bandeira para promover o malfadado PL 122/2006, e a cobertura de inúmeras medidas supostamente contra a homofobia. Recentemente, estive em um evento e ouvi um Ministro de Estado repetir essa mesma estatística, sem pestanejar, nem ponderar. A inferência desse número, é que isso retrataria uma brutalidade e ataque intenso aos homossexuais em nosso país. Os gays necessitariam, portanto, da proteção dessa lei contra tal intolerância. Para chegar a esses números, e afirmar que, no Brasil, "tivemos 122 mortes, neste ano, superando o México e os Estados Unidos", Mott compilou os seus dados através do método duvidoso e não científico de referir-se às notícias dos jornais, por inexistência de "estatísticas oficiais". Segundo Mott, o Brasil atravessa um "homocausto" (trocadilho que procura associar a morte de homossexuais ao Holocausto)!
Repetindo, repudio qualquer tipo de assassinato ou crueldade contra qualquer pessoa. Mas sobre essas estatísticas e terminologia que está sendo utilizada pondero o seguinte:

1. Em primeiro lugar, a utilização da expressão "genocídio" é curiosa e contraditória. A palavra tem a sua origem com o trabalho do judeu polonês, Raphael Lemkin, que protestava as ações dos "atos bárbaros" da Alemanha nazista. Em 1944, ele cunhou o termo em seu livro "O Domínio do Eixo na Europa Ocupada". Lemkim pegou a palavra grega "genos", que significa "raça", "tribo", "grupo étnico", unindo-a ao sufixo latino "cidium", que significa "ato de matar", "assassinato" - resultando na palavra genocídio, ou seja, o assassinato de uma raça ou de um grupo étnico. Quando um homossexual se refere aos assassinatos de homossexuais como sendo "genocídio homossexual", está atribuindo um determinismo genético ao homossexualismo (equacionando a prática com "raça", "tribo", "grupo étnico"). Ocorre que, curiosamente, eles próprios têm se posicionado contra a noção de que existe uma inclinação biológica ou genética à prática. Afinal, uma das grandes bandeiras do movimento gay é sobre "o direito de opção sexual": ser-se aquilo que se quer ser, em vez de procurar ser aquilo que biologicamente são. Rebelam-se contra a noção de que Deus criou dois sexos, e não três ou quatro. Colocam na pessoa a definição de sua sexualidade, e não no Criador. Pois bem, ao clamar "genocídio", contradizem-se em sua própria argumentação.

2. Segundo, alguma coisa está sendo perdida nessa estatística. A cada ano, 50.000 brasileiros são assassinados, o que dá 138 brasileiros por dia, ou 414 a cada três dias. Se a questão é que, como afirmam os gays, "um homossexual é assassinado a cada três dias", isso dá 1 a cada 414 pessoas. Ou seja, 0,25% dos assassinatos totais. Ocorre que o próprio movimento gay declara que o número de homossexuais na população brasileira atinge o percentual de 10%. Juntando essas duas afirmações, se verídicas (procedem, ambas dos grupos gays) chega-se à conclusão que morrem menos homossexuais do que o restante da população (414 x 10% = 41). Isto é, morrem 40 vezes menos homossexuais do que heterossexuais. De acordo com essas estatísticas distorcidas, a melhor forma de escapar com vida, no Brasil, é virar gay.

3. A questão, que essa discussão evita, é que mata-se indiscriminadamente no Brasil e isso não é restrito a um segmento ou grupo em particular. É verdade que falar genericamente dos assassinatos, da falta de lei, da violência contra os cidadãos, não "dá mídia" nem impressiona tanto quanto as estatísticas do Mott.

4. É curioso, portanto, que um grupo específico, manipule dados e formule estatísticas enganosas. É intrigante, que na contabilidade do Sr. Mott, homossexuais só morrem - eles não matam. É surpreendente como realidades são ignoradas, como no caso dos assassinatos de homossexuais ocorridos no Parque dos Paturis, em Carapicuíba. Nenhum grupo gay deu importância ao fato de que o principal suspeito, preso em 10 de dezembro de 2008, um ex-PM, era igualmente homossexual. Ele procurava encontros naquela localidade (uma das testemunhas informou que esteve com ele em um motel, nas vizinhanças).

A mídia esquece que os "ativos" são igualmente homossexuais; eles não são contabilizados nas estatísticas de violência da classe. E assim, com essas frases e "estatísticas" de efeito, contando com apoio e projeção governamental, os gays e simpatizantes procuram impor uma lei da mordaça heterofóbica, sob o suposto manto de uma pretensa proteção à violência social que impera em nossas plagas; quando a violência não enxerga cor, raça ou sexo. Pior, ainda, é que essa lei é voltada contra as convicções e liberdades religiosas; contra princípios de acato à instituição da família, em vez de contra criminosos de verdade e assassinos de fato.

A triste realidade é a de que o governo tem abdicado de suas responsabilidades de proteção à vida, como sendo a prioridade número um de suas funções. Sofrer violência não é característica de um grupo específico, mas é conseqüência da impunidade e da omissão do estado. Além disso, as forças estatais alinham-se na imposição de uma onda heterofóbica, aceitando e promulgando estatísticas distorcidas, para substanciar ações e projetos que resultarão na destruição da frágil estrutura social, com um mínimo de ordem e decência - situação quase extinta em nossos dias.
Artigo escrito por Solano Portela (Teólogo, escritor e conferencista)

quinta-feira, 18 de junho de 2009

PERDÃO, FAXINA DA ALMA

Por Hernandes Dias Lopes
O perdão é a cura das memórias, a assepsia do coração, a faxina da alma. O perdão é uma necessidade vital e uma condição indispensável para termos uma vida em paz com Deus, com nós mesmos e com o próximo. Uma vez que somos falhos e pecadores, estamos sujeitos a erros. Por essa razão, temos motivos de queixas uns contra os outros. As pessoas nos decepcionam e nós decepcionamos as pessoas.É impossível termos uma vida cristã saudável sem o exercício do perdão. Quem não perdoa não pode adorar a Deus nem mesmo trazer sua oferta ao altar. Quem não perdoa tem suas orações interrompidas e nem mesmo pode receber o perdão de Deus.
Quem não perdoa adoece física, emocional e espiritualmente. Quem não perdoa é entregue aos verdugos da consciência. O perdão, portanto, não é uma opção para o crente, mas uma necessidade imperativa.

O perdão é uma questão de bom senso. Quando nutrimos mágoa no coração, tornamo-nos escravos do ressentimento. A amargura alastra em nós suas raízes e produz dois frutos malditos: a perturbação e a contaminação. Uma pessoa magoada vive perturbada e ainda contamina as pessoas à sua volta. Quando guardamos algum ranço no coração e nutrimos mágoa por alguém, acabamos convivendo com essa pessoa de forma ininterrupta. Se vamos descansar, essa pessoa torna-se o nosso pesadelo. Se vamos nos assentar para tomar uma refeição, essa pessoa tira o nosso apetite. Se nosso propósito é sair de férias com a família, essa pessoa pega carona conosco e estraga as nossas férias. Por essa razão, perdoar não é apenas uma questão imperativa, mas, também, uma atitude de bom senso. O perdão alivia a bagagem, tira o fardo das costas e terapeutiza a alma.
Mas, o que é perdão? Perdão é alforriar o ofensor. Perdoar é não cobrar nem revidar a ofensa recebida. O perdão não exige justiça; exerce misericórdia. O perdão não faz registro das mágoas. Perdoar é lembrar sem sentir dor.

Até quando devemos perdoar? A Bíblia nos diz que devemos perdoar assim como Deus em Cristo nos perdoou. Devemos perdoar de forma ilimitada e incondicional. Devemos perdoar não apenas até sete vezes, mas até setenta vezes sete.

Por que devemos perdoar? Porque fomos perdoados por Deus. Os perdoados precisam ser perdoadores. No céu só entra aqueles que foram perdoados; e se não perdoarmos, não poderemos ser perdoados. Logo, todo crente em Cristo precisa praticar o perdão.

Quem deve tomar iniciativa no ato do perdão? Jesus disse que se nos lembrarmos que nosso irmão tem alguma coisa contra nós, devemos ir a ele. Não importa se somos o ofensor ou o ofendido. Sempre devemos tomar a iniciativa, e isso com humildade e espírito de mansidão. Precisamos entender que o tempo nem o silêncio são evidências de perdão. É preciso o confronto em amor. Há muitas pessoas doentes emocionalmente porque não liberam perdão. Há muitas pessoas fracas espiritualmente porque não têm a humildade de pedir e conceder perdão. Precisamos quebrar esses grilhões, a fim de vivermos a plenitude da liberdade cristã.
O perdão é a manifestação da graça de Deus em nós. Se nos afastarmos de Deus, nosso coração torna-se insensível. Porém, se nos aproximarmos de Deus, ele mesmo nos move e nos capacita a perdoar assim como ele em Cristo nos perdoou.

terça-feira, 16 de junho de 2009

As indulgências, a Reforma Protestante e o significado do evangelho


Por Alderi de Souza Matos

Muitos protestantes atuais ficam surpresos em saber que ainda hoje, em pleno século 21, as indulgências continuam a ser uma crença abraçada oficialmente pela Igreja Católica Romana. Esse dogma e suas implicações práticas desencadearam a Reforma Protestante do século 16. A maneira como isso se deu é uma história fantástica, quase inacreditável, mas que realmente aconteceu.

Uma eleição imperial
No final da Idade Média, os imperadores alemães eram eleitos por um pequeno colégio eleitoral composto de sete integrantes: três arcebispos (de Mainz, Trier e Colônia) e quatro nobres (o conde palatino do Reno, o duque da Saxônia Eleitoral, o margrave de Brandemburgo e o rei da Boêmia). Esse sistema havia sido estabelecido por um decreto datado de 1356. No início do século 16, ao se realizar uma dessas eleições, uma das famílias nobres participantes do colégio eleitoral (os Hohenzollern) teve a ideia de se apossar de um dos arcebispados, o de Mainz ou Mogúncia, que estava vago. O escolhido para tal cargo foi Alberto de Brandemburgo, irmão do referido margrave. Todavia, ele não tinha a idade mínima necessária para isso e assim foi necessário obter uma autorização especial do papa.

Essa autorização custou elevada soma, pois Leão X precisava de recursos para construir a Catedral de São Pedro. O dinheiro foi obtido mediante empréstimo dos banqueiros Fugger, de Augsburg, a uma exorbitante taxa de juros. Para pagar o empréstimo, o novo arcebispo Alberto recebeu do papa o direito de vender indulgências, sendo que metade dos lucros iria financiar a construção da catedral romana. O arcebispo confiou a tarefa ao melhor vendedor que pôde encontrar -- o dominicano João Tetzel. Um de seus “jingles” promocionais dizia: “Logo que a moeda na caixa ecoa, uma alma do purgatório para o céu voa”. Tetzel cumpriu sua missão de modo eficiente e dramático, impressionando vivamente os seus ouvintes e convencendo-os a adquirir tão valioso bem. Quando ele se aproximou da cidade de Wittemberg, Lutero ficou indignado com esse comércio do perdão de Deus e escreveu suas famosas “Noventa e Cinco Teses” (31/10/1517). Estava iniciada a Reforma Protestante.

Origens de um dogma
As indulgências são consequência de um antigo problema com que se defrontou a Igreja Católica -- o que os cristãos, aqueles que renasceram através do batismo, deviam fazer em relação aos seus pecados. Para lidar com essa questão pastoral, foi articulado ao longo dos séculos o sacramento da penitência. O pecador devia mostrar-se arrependido dos seus pecados (contrição), em seguida informá-los ao sacerdote (confissão) e então receber a declaração do perdão divino (absolvição). Ao mesmo tempo devia fazer obras de satisfação (penitências), demonstrando de modo visível e concreto o seu arrependimento. Todavia, a igreja começou a fazer uma distinção entre as penas eternas e as penas temporais referentes ao pecado. A absolvição perdoava a culpa e livrava da penalidade eterna, mas as penalidades temporais permaneciam. Se não fossem pagas na terra, teriam de sê-lo no purgatório.

Indulgência, palavra que significa “tolerância”, “benevolência”, é o meio através do qual a igreja concede a remissão total ou parcial do castigo temporal devido ao pecado já perdoado. Como aconteceu com outras questões, as indulgências fizeram parte da prática católica antes de serem definidas formalmente como um dogma da igreja. Por exemplo, elas foram muito utilizadas na época das Cruzadas. Além disso, foram objeto de séria reflexão teológica por parte dos escolásticos, como Tomás de Aquino.

Finalmente, a teoria sobre a qual elas se apoiam foi definida formalmente pelo papa Clemente VI na bula “Unigenitus”, em 1343. Segundo esse documento, existe um tesouro incalculável constituído pelos méritos de Cristo, de Maria e dos santos. Esse tesouro foi confiado à igreja e colocado debaixo da autoridade do papa. Este, e os bispos autorizados por ele, podem aplicar tais méritos, através das indulgências, em benefício dos fiéis, vivos e mortos.
O questionamento protestante

Em suas teses, Lutero se manifestou contra a comercialização das indulgências. Disse ele: “Bem-aventurado é aquele que luta contra a dissoluta e desordenada pregação dos vendedores de perdões” (tese 72). Embora tecnicamente elas não pudessem ser vendidas, visto serem uma dádiva graciosa da igreja aos cristãos, esperava-se que estes ofertassem em troca uma “contribuição” para a construção da catedral. Esse termo é usado muitas vezes nas instruções dadas pelo arcebispo Alberto de Mogúncia. Havia até mesmo uma tabela variável de preços segundo a qual cada um iria contribuir de modo proporcional às suas posses. O fato é que, ao longo dos séculos, com frequência líderes eclesiásticos ambiciosos usaram esse recurso para resolver seus problemas financeiros.

Indo além, Lutero questionou também a doutrina da salvação que estava associada às indulgências. A certa altura ele afirmou: “Aqueles que se julgam seguros da salvação em razão de suas cartas de perdão serão condenados para sempre juntamente com seus mestres” (32). Um pouco adiante, acrescentou: “Qualquer cristão que está verdadeiramente contrito tem remissão plenária tanto da pena como da culpa, que são suas dívidas, mesmo sem uma carta de perdão. Qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, participa de todos os benefícios de Cristo e da igreja, que são dons de Deus, mesmo sem cartas de perdão” (36-37). Divergindo da ideia tradicional de um tesouro de méritos, ele afirmou: “O verdadeiro tesouro da igreja é o sacrossanto evangelho da glória e da graça de Deus” (62). Em suma, as indulgências eram desnecessárias, porque tudo o que elas pretendiam comunicar já era oferecido gratuitamente por Deus por meio da obra redentora de seu Filho.

“Sola Scriptura”
O fulcro do posicionamento protestante foi o seu princípio basilar da prioridade absoluta das Escrituras em matéria de fé e prática. Partindo do pressuposto de que o Antigo e o Novo Testamento, interpretados segundo critérios saudáveis e equilibrados, contêm a vontade revelada de Deus para a igreja e para os cristãos, os protestantes se viram compelidos a rejeitar toda e qualquer crença que não pudesse ser claramente fundamentada na Palavra de Deus. Isso incluía o purgatório, as indulgências, o tesouro de méritos e muitos outros pontos. À luz do Novo Testamento, eles concluíram que Jesus Cristo e seus apóstolos nunca transmitiram esses ensinos -- eles não faziam parte do “evangelho”, do “kérigma” ou proclamação da igreja primitiva. Os primeiros cristãos não abraçavam tais convicções.

Os partidários da Reforma acabaram chegando a um entendimento da salvação e da vida cristã muito diverso daquele até então predominante. Naquela época, a salvação era vista como um processo que durava a vida inteira (e mesmo além, no purgatório). A vida cristã era entendida como uma peregrinação rumo à salvação, à qual muitos só chegavam no momento da morte. Partindo do conceito de “justificação pela graça mediante a fé somente”, esse processo foi invertido. Justificado pela fé, o crente vive toda a sua vida como um salvo, e não como alguém em busca de salvação. A salvação não está no fim, mas no começo da vida cristã. O que ocorre ao longo da vida é um processo, que pode ser bastante árduo, em busca da santificação.

Conclusão
A moderna Igreja Católica continua a crer nas indulgências e a ensiná-las por meio do seu magistério. Eventos como os “anos santos” e as eleições papais estão associados a indulgências especiais. Existem diversos outros meios pelos quais os católicos podem obter esse benefício da igreja. O aspecto pecuniário que deu má fama a essa prática parece que há muito foi afastado. O que os católicos precisam considerar é se tal preceito é não só um ensino da igreja, mas um ensino de Cristo e seus primeiros seguidores. Lutero achava que a igreja somente tinha o direito de cancelar as sanções impostas aos fiéis por ela mesma (penas canônicas), e não quaisquer penalidades impostas por Deus. Destas existe libertação total por meio da fé em Jesus Cristo: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1Jo 1.9).

• Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil. É autor de A Caminhada Cristã na História e “Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil”. asdm@mackenzie.com.br

sexta-feira, 12 de junho de 2009

CONFERÊNCIA SOBRE JOHN MILTON NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

Sob coordenação do Acadêmico Ivan Junqueira, a Academia Brasileira de Letras iniciou-se, na última terça feira, o 4º Ciclo de Conferências sob o tema "Poesia e Religião", com a palestra do Acadêmico Antonio Carlos Secchin, falando sobre: "Jorge de Lima: a clausura do divino".
Compondo as próximas conferências, teremos: Marco Lucchesi, falando sobre "Dante Alighieri", no dia 09/06; Leonardo Fróes, sobre "John Milton", no dia 16/06; "Francisco de Assis", por Luiz Paulo Horta, no dia 23/6; e, encerrando o Ciclo, Izacyl Guimarães Ferreira, falando sobre "Poesia e misticismo: San Juan de la Cruz", no dia 30/6.

A conferência teve entrada franca e transmissão ao vivo pelo Portal da ABL. Acesse o site http://www.academia.org.br/

A Conferência sobre John Milton é imperdível. Encorajo os leitores desse blog a conhecer a brilhante obra de John Milton, sobretudo, seu famoso livro, O Paraíso Perdido.

NOTA BIOGRÁFICA

Poeta e polemista inglês, Milton, nasceu em 1608, em Londres, e foi educado em Cambridge a partir de 1625. Iniciou-se na poesia aos 17 anos com dois textos promissores: On the Death of a Fair Infant e Dying of a Cough , a que se seguiram At a Vacation Exercise (1628) e On the Morning of Christ's Nativity (1629). Depois de abandonar o Christ's College , Cambridge, em 1632, Milton viveu durante cinco anos na casa do pai em Horton, onde escreveu os poemas L'Allegro e Il Penseroso (1633), Arcades , Comus (1634) e a elegia Lycidas . Entre 1638 e 1639 viajou pela Europa; a passagem por Itália e o contacto com os intelectuais florentinos influenciaram-no de modo particular e marcaram o desenvolvimento posterior da sua carreira. A viagem continental de Milton reforçou a sua antipatia em relação ao catolicismo romano.

O regresso de Milton a Inglaterra em 1639 marcou o início da segunda fase da sua carreira, com a participação do escritor na luta política do seu tempo ao lado de Oliver Cromwell. Desse período datam os seus escritos polémicos a favor da causa republicana e os manifestos de natureza política e religiosa: Of Reformation (1641), Apology for Smectymnuus (1642), a defesa da liberdade pessoal inserida em The Doctrine and Discipline of Divorce (1643). Entre 1640 e 1655 Milton dedicou-se menos à poesia do que ao confronto político que a causa de Cromwell nele despertara. Escreveu ainda Aeropagitica (1644), Tenure of Kings and Magistrates (1649), Eikonoklastes (1649), duas defesas do povo inglês (1651 e 1654), A Treatise of Civil Power (1659) e A Readie and Easy Way to Establish a Free Commonwealth (1659), composto pouco antes do regresso a Inglaterra de Carlos II e da restauração da monarquia. Os escritos de Milton revelam a convicção de que o projecto político de Cromwell concretizava uma transformação para a qual os ingleses haviam sido eleitos.

Na fase final da sua carreira Milton, já cego, produziu a sua grande obra poética, onde se destaca Paradise Lost (O Paraíso Perdido) , iniciado em meados de 1650. O poema épico, onde se interseccionam questões teológicas e políticas que reflectem um período conturbado da história da Inglaterra, segue o modelo das epopeias clássicas de Homero e Virgílio. Paradise Lost foi publicado em 10 volumes em 1667; teve uma segunda edição revista e apresentada em 12 volumes em 1674, pouco antes da morte de Milton.

A sua obra foi completada com Paradise Regained (1671) e Samson Agonistes (1671). O estilo de Milton reflectia uma elevada concepção das funções da poesia, associada a preocupações em torno da liberdade política e religiosa que o acompanharam desde a juventude. Desde o período pré-romântico, Milton tem sido considerado um dos mais importantes poetas da Inglaterra. Para os poetas românticos, o poema Paradise Lost foi um texto particularmente significativo. Faleceu em 1674.


EM NOME DA JUSTIÇA

Em uma época de extrema pobreza cultural, sobretudo nos guetos evangélicos, devemos ser gratos a Deus pela vida daqueles que fazem Música com letra maiúscula. João Alexandre é um dos músicos que incontestavelmente mostra a maravilha que é coadunar talento musical e teologia bíblica. Sua canção “Em Nome da Justiça” é uma das suas muitas belas músicas, cuja letra é essencialmente bíblica e provoca a nossa reflexão.

EM NOME DA JUSTIÇA

Enquanto a violência acabar com o povão da baixada
E quem sabe tudo disser que não sabe de nada
Enquanto os salários morrerem de velho nas filas
E os homens banirem as leis aos invés de cumpri-las
Enquanto a doença tomar o lugar da saúde
E quem prometeu ser do povo mudar de atitude
Enquanto os bilhetes correrem debaixo da mesa
E a honra dos nobres ceder lugar à esperteza

Não tem jeito não, não tem jeito não...
Só com muito amor a gente muda esse país
Só o amor de Deus pra nossa gente ser feliz
Nós os filhos seus temos que unir as nossas mãos
Em nome da justiça, por obras de justiça
Quem conhece a Deus não pode ouvir e se calar
Tem que ser profeta e sua bandeira levantar
Transformar o mundo é uma questão de compromisso
É muito mais e tudo isso

Enquanto o domingo ainda for nosso dia sagrado
E em nome de Deus se deixar os feridos de lado
Enquanto o pecado for tão somente um pecado
Vivido, sentido, embutido, espremido e pensado
Enquanto se canta e se dança de olhos fechados
Tem gente morrendo de fome por todos os lados
O Deus que se canta nem sempre é o Deus que se vive, não
Pois Deus se revela, se envolve, resolve e revive

terça-feira, 9 de junho de 2009

O PROBLEMA COM RICK WARREN

É entre os evangélicos que o hábito da leitura mais cresce. O “povo do livro” tem a Bíblia como revelação, o que implica a importância do hábito da leitura como algo sancionado e implementado por Deus! Não apenas a leitura da Bíblia, mas a leitura em geral, que desenvolve a mente. Porém, o que temos lido? E como temos lido? Nem sempre lemos bem, assim como nem sempre oramos bem (Tg 4.3). Todavia, toda leitura é proveitosa quando passamos a ler criticamente; mesmo ler um livro ruim é bom, pois percebemos seus equívocos, dos quais às vezes nem o autor está consciente. Às vezes nos falta um arguto senso crítico que nos proteja de nos deixarmos levar pela retórica do autor que persuade com expressões tecnicamente calculadas para agradar, e o açúcar faz descer o veneno.

O sucesso de Rick Warren e de seu livro “Uma Igreja com Propósitos” é o sucesso do sucesso! É o sucesso de ter “no sucesso” um propósito de vida pessoal e ministerial. O sucesso que faz sucesso entre as pessoas hoje não é o da “obediência da fé” (Rm 1.5), nem o do “tomar a cruz” (Mt 16.24).

O sucesso que hoje se idolatra não é como o proposto no Salmo 1, em que o prazer está na “instrução do Senhor” e não em técnicas empresariais. O sucesso que faz sucesso hoje nas igrejas é o segundo os padrões mundanos de nosso tempo, em que as relações são mediadas pelo mercado. Esta ideia contemporânea de sucesso está implícita nas estratégias aplicadas ao crescimento de igrejas, das quais se pode inferir uma alta consideração por fama, prestígio, tamanho, enriquecimento e poder.


Igrejas e autores como Rick Warren escondem esse desejo mundano de sucesso por trás de uma linguagem aparentemente piedosa. Tenhamos a coragem de realizar uma autocrítica que nos permita verificar se esse caminho é o ideal, e até mesmo apropriado para nós. O que Warren propõe é a teologia da prosperidade, só que aplicada às instituições eclesiásticas, em vez de aplicada a indivíduos. É o crescimento numérico e financeiro do ministério que evidencia a bênção divina. Warren acaba por despertar, como um subproduto inconsciente, tudo aquilo que há de pior nos pastores: a vaidade, a cobiça, o amor ao prestígio, ao dinheiro e ao poder.


Uma igreja cristã não é uma instituição qualquer que visa o crescimento e a maximização dos lucros. Uma empresa secular deveria ter vocação social, mas busca sua perpetuação como finalidade. Isso também é verdade acerca de muitas igrejas que abandonaram os princípios éticos reformados do trabalho: sentido de vocação, austeridade em vez de ostentação e, acima de tudo, honestidade, em troca dos valores da sociedade de mercado e das estratégias de crescimento das empresas seculares.

Uma igreja não pode ter o crescimento como finalidade, pois existe para outro propósito: proclamar o evangelho da graça salvadora, por meio do testemunho de palavras e de obras de amor e, dessa forma, praticar a verdadeira e genuína adoração. As igrejas são passíveis de corrupção e degenerescência, como evidencia a história.

As igrejas se vendem ao “espírito-do-tempo” (“Zeitgeist”) e esse é o verdadeiro liberalismo teológico: o comprometimento de nossos princípios e valores em nome de uma acomodação. O “Zeitgeist” hoje é o de uma sociedade de consumo e de relações sociais mediadas pelo mercado. As igrejas passam a viver em função de seu próprio “sucesso”, ao estilo do mundo. Fazem planejamentos estratégicos, escolhem fatias do mercado, adotam “slogans” e passam a utilizar o discurso persuasório da publicidade que almeja a manipulação.



Os membros das igrejas, que Deus tanto ama, são instrumentalizados pelas igrejas para seus próprios fins, numa inversão perversa: o homem passa a existir para a igreja, e não a igreja para o homem -- perversão análoga àquela que Jesus combateu ao afirmar que o homem não foi feito para o sábado, mas o sábado para o homem (Mc 2.27). Deixar de priorizar pessoas sobre as coisas e as instituições é o colapso da vocação cristã.

O espírito do “warrenismo” pode ser identificado em uma das cartas em resposta ao meu artigo Quarenta livros que fizeram a cabeça dos evangélicos nos últimos quarenta anos (novembro/dezembro 2008). Alguém pergunta: “Quem é Ricardo Quadros Gouvêa? Qual o impacto do seu ministério sobre vidas e sua experiência ministerial? Faz apologia a Caio Fábio e comentário jocoso sobre Rick Warren. Infelizmente existe muita gente que não aceita que outros tenham um desenvolvimento ministerial maior que o seu!”

O missivista concorda com Warren que o sucesso de um ministério cristão depende do tamanho, que esse é o critério adequado para avaliarmos um ministro. Se eu fosse pastor de uma igreja de três mil membros, ele se veria obrigado a respeitar minhas opiniões, pois tal fato me credenciaria para afirmar o que quer que fosse. Contudo, sou pastor de uma igreja de cem membros, e não me preocupo com seu crescimento. Pretendo ser aferido pela fidelidade (1Co 4.1-5). Além disso, é contraditório sugerir que não aceito que outros tenham ministérios maiores que o meu e simultaneamente afirmar que faço “apologia” a Caio Fábio (o que também não é verdade), que tem um ministério muito maior que o meu. Eis o efeito pernicioso de Rick Warren: tecnicismo, pragmatismo e a avaliação do tão desejado “sucesso” por critérios mundanos.

Desconstruamos Warren pela sua noção de homogeneização. Em igrejas heterogêneas há gente de todo tipo e elas têm dificuldades de crescer. Há diferentes preferências pessoais porque essas pessoas têm formação educacional distinta, são de etnias variadas e pertencem a diferentes faixas etárias e classes sociais. O que Warren propõe, entre outras estratégias mercadológicas, é a execução proposital de um processo de homogeneização: a igreja que pretende crescer deve escolher uma fatia do mercado: escolher se será igreja de ricos ou de pobres, de cultos ou de incultos, voltada para uma etnia específica, e seus cultos devem agradar a um público específico. Os ricos não terão de passar pela humilhação de se sentarem com pobres, e não serão forçados a admitir que, em Cristo, somos todos iguais. Tampouco os cultos terão de partir o pão com os analfabetos, no sagrado nivelamento do evangelho. Poupemo-los desses constrangimentos! A homogeneização é um processo de especialização, de encontrar um “público-alvo” ao qual será possível satisfazer mais facilmente. Parece, a princípio, uma boa estratégia de evangelização. E funciona! Está, entretanto, de acordo com os princípios da ética cristã e com os propósitos de Deus? Não seria melhor sacrificar o sucesso no altar do Senhor?

Uma igreja é uma família da fé que reproduz em seu microcosmo a realidade social. Numa família encontramos pessoas de todo tipo: abastadas e necessitadas, cultas e incultas, jovens e idosas, pessoas de diferentes etnias, com preferências distintas. Assim é em uma igreja saudável, e isso nos ensina a sermos respeitosos e pacientes. Na igreja homogênea tudo é mais fácil, pois todos são parecidos. Martin Buber alerta: “Quando amamos somente aqueles que se parecem conosco, não amamos ao próximo, mas antes a nós mesmos refletidos no próximo”. A igreja homogênea pode crescer mais facilmente, mas tal crescimento é apenas inchaço, e não o crescimento orgânico de uma igreja heterogênea, fruto do crescimento espiritual de uma comunidade que tem de lidar com sua própria diversidade. Todos desejam participar de uma comunidade onde reina o amor! O crescimento se torna aí uma consequência natural.

Uma igreja precisa crescer? Por que as igrejas locais almejam o crescimento? Não se está questionando aqui o avanço do evangelho de Cristo, nem se devem surgir novas igrejas, mas sim o anseio de crescimento da igreja local e as megaigrejas, com milhares de pessoas que mal se conhecem e pastores que mal conhecem suas ovelhas.

Qualquer igreja com mais de mil membros corre sérios riscos de degenerescência, de perda das características que determinam sua existência como comunidade cristã. O ideal hipermoderno de igrejas grandes e poderosas deve dar lugar ao resgate do valor das eclesiolas em que a preocupação não é numérica ou financeira, mas humana e espiritual. A boa igreja não é aquela que nos proporciona um bom “show” dominical, impessoal e superficial, mas aquela onde encontramos a nutrição espiritual da comunhão fraternal com os que sabem nosso nome, onde todos são iguais, não por causa de uma estratégia secular de homogeneização, mas porque todos, apesar das diferenças, se amam e se respeitam, e formam um corpo místico, em que Cristo é a cabeça e nós somos diferentes órgãos (1Co 12).

Como estamos longe do “esvaziamento” de Cristo (Fl 2.1-8), do desapego ao sucesso, ao prestígio, à fama, ao poder, ao dinheiro! Como testemunharemos de Cristo por meio de nossas vidas, como ensinam as Escrituras Sagradas: “Alegrai-vos na medida em que sois co-participantes dos sofrimentos de Cristo [...] se pelo nome de Cristo sois injuriados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o glorioso Espírito de Deus” (1Pe 4.13-14)? Talvez somente após a morte seja possível ao homem compreender o que significa ser bem-sucedido na vida. Os apóstolos nos ensinam que é perseverar em meio ao sofrimento. É motivo de alegria sofrer como Jesus sofreu e por causa de nosso amor por ele.

Agostinho fala de duas cidades, a de Deus e a terrena, em tudo misturadas. Na primeira reina o “agape”, a caridade (“caritas”), na segunda, o “eros”, a concupiscência (“cupiditas”). Ser bem-sucedido na cidade de Deus não significa sê-lo na cidade terrena e vice-versa. Jesus, ainda que inteiramente bem-sucedido na perspectiva celeste, foi muito malsucedido pelos padrões da cidade terrena, pobre, malcompreendido, abandonado e executado como um criminoso. Seus seguidores foram martirizados, depois de uma vida de pobreza, prisões e privações.

Os maiores expoentes da espiritualidade cristã foram todos sofredores. No século 4 Antão vivia numa caverna, miserável, considerado louco, mas venerado por sua santidade. Francisco de Assis, humilhado pelos cardeais e papas, morreu aos 44 anos e é visto por muitos como o maior discípulo de Cristo que já viveu. Juliana de Norwich nunca teve posses, foi considerada herege e, depois, aclamada como sábia. David Brainerd, o missionário americano que abandonou tudo para pregar o evangelho aos nativos de seu país, morreu aos 29 anos e deixou um diário de meditações que até hoje nos comove. José Manoel da Conceição, o padre protestante, que não viajava a cavalo, mas a pé e às vezes descalço, morreu como um indigente aos 51 anos, incompreendido pelos missionários. Como teriam eles se saído numa avaliação de sucesso a partir dos critérios dos warrenistas? Homens de Deus, mas totais fracassos na cidade terrena onde o que conta é a fama, o lucro, as posses, o poder, a saúde, a longevidade e a aparência física.

Hoje encontramos nas igrejas a pregação do sucesso, da reivindicação. Deus tem de nos abençoar com riquezas. Exigimos e nos apossamos do que é nosso por direito: o sucesso segundo os padrões do mundo. Agora isso vale também para as igrejas que querem ser como empresas bem-sucedidas: a busca do sucesso mundano sancionado por uma falsa fachada de sacralidade. Mefistófeles promete de novo a Fausto a felicidade em troca de sua alma. Vender-se ao espírito mercadológico do nosso tempo, em que impera o maquiavelismo, é vender a alma, abandonando princípios e valores que, para um cristão, são inegociáveis.
• Ricardo Quadros Gouvêa é ministro presbiteriano e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do Seminário Teológico Servo de Cristo.
FONTE: Revista Ultimato.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

DOMINDO DA IGREJA PERSEGUIDA

Ainda hoje, milhares de cristãos em todo o mundo, sofrem cruel perseguição por causa do evangelho. Há inúmeros irmãos em Cristo sendo presos, maltratados, espoliados e mortos em países hostis à fé cristã.

A Missão Portas Abertas é uma organização cristã fundada pelo Irmão André, um cristão de origem holandesa que desde 1955 realiza um notável ministério de apóio às igrejas cristãs em área de risco. Aos 81 anos de idade, este exemplar servo de Deus segue firme na luta em favor dos cristãos perseguidos. Seu ministério tem influenciado os cristãos em países onde há liberdade de culto, mobilizando-os a ajudar a Igreja Perseguida. A Missão Portas Abertas tem sido um instrumento nas mãos de Deus para divulgar o que acontece com os cristãos em países marcados pela intolerância religiosa e falta de liberdade. Acesse o site: www.portasabertas.org.br

Depois de muita pesquisa, foi elaborada uma relação de 50 países onde atualmente acontece perseguição aos cristãos. A classificação inclui cinco itens: Perseguição Severa (Coréia do Norte), Opressão (Arábia Saudita, Irã, Afeganistão, Somália, Maldivas e Iêmem), Limitações Severas (China, Paquistão, Egito, Vietnã entre outros) Algumas Restrições (Sudão, Cuba, Síria, entre outros) Algumas dificuldades (Quênia e Casaquistão).

Nós cristãos que vivemos no ocidente, cuja maioria dos países vive sob um regime democrático, não temos idéia do que muitos desses nossos irmãos na fé enfrentam por serem discípulos de Jesus Cristo. No ano passado uma série de crimes contra os cristãos aconteceu em Orissa, um Estado na região Leste da Índia. A população, de maioria hindu, promoveu uma covarde e cruel perseguição aos cristãos indianos. Resultado: 60 mortos e muitos desaparecidos; 4 mil casas e 151 igrejas completamente destruídas; 50 mil cristãos tiveram que abandonar suas casas e se refugiaram em outras regiões por conta do terror que estavam vivendo por causa da intolerância religiosa.

Hoje, 7 de junho, cristãos brasileiros de várias denominações evangélicas, estão orando em favor da Igreja Perseguida. A Bíblia diz: “Lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles, e dos maltratados, como sendo o vós mesmos também no corpo”. (Hb 13.3) Portanto, devemos interceder diante do Pai para que à sua igreja, por meio da sua suficiente graça, receba tempos de refrigério. Enquanto isso, que o povo de Deus em todo mundo, ouça a voz do Senhor: “Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida” (Ap. 2.10).

quinta-feira, 4 de junho de 2009

10 DIAS EM CUBA, UMA VIAGEM INESQUECÍVEL.


Visitar Cuba foi uma experiência inesquecível. Sempre ouvi muitas histórias e estórias sobre esse país, chamado de “la clave del golfo”, a maior ilha do Caribe. Cuba tem uma história sui generis. Foi uma singular oportunidade conhecer o povo cubano.

A delegação dos batistas brasileiros foi composta de oito pessoas: Pastor Ezequias e sua esposa (São Paulo), o pastor Mendes (Atibaia) e o pastor Samuel (Bauru), do Estado de Minas os pastores Vanouir e Wesley, (ambos de Belo Horizonte) e por mim, representando o Estado do Rio. Todos nós, sob a liderança do pastor Antônio Galvão, um dos coordenadores da JMM, formamos uma equipe coesa e abençoadora.

Embarcamos na madrugada do dia 11 de maio, de São Paulo para Cidade do Panamá, de onde tomamos outro avião para Havana, capital de Cuba. Depois de aproximadamente 10 horas de vôo, pisamos em solo cubano. Uma vez em Cuba visitamos as cidades de Santiago de Cuba, a segunda maior cidade do país, onde fica a sede da “Convencione Bautista de Cuba Oriental”, Bayamo, onde trabalhei na Primeira Igreja Batista, pastoreada pelo Samuel Columbier. Visitamos também as cidades de Yara, Las Tunas e Mansanillo. Na volta passamos um dia em Havana, a capital e a maior cidade do país. O privilégio maior foi conhecer a igreja cristã. Glórias sejam dadas a Jesus Cristo, Senhor da igreja, pois em Cuba há um povo que invoca o nome do Deus vivo e vive na luz da sua presença. A igreja está crescendo muito. São centenas de igrejas, algumas com quase mil membros. Em um culto de oração, testemunhei a presença de aproximadamente 700 pessoas clamando ao Senhor. A igreja tem as suas lutas. Há muitas restrições, e toda sorte de dificuldades, mas não falta “a alegria do Senhor que é a nossa força”. Devemos orar a fim de que a graça salvadora continue se manifestando na vida do povo cubano e mais pessoas reconheçam a Jesus Cristo como Senhor e Salvador.