segunda-feira, 20 de outubro de 2008

ANTÔNIO VIEIRA, O BRASIL E OS LADRÕES

O padre Antônio Vieira, a quem Fernando Pessoa, com justiça, chamou de “o Imperador da Língua Portuguesa”, escreveu o que se pode denominar de “Tratado contra a Corrupção”. O Sermão do Bom Ladrão, pregado na Igreja da Misericórdia, em Lisboa, em 1655, (há mais de 350 anos!) é uma golpe na consciência dos larápios. Em um tempo onde sérias e contundentes denúncias de corrupção envolvendo os três poderes da República, são manchetes nos jornais em todo país, a mensagem contida neste sermão é atual e oportuna.


Afamado erudito, profundo conhecedor dos clássicos da literatura e da teologia, Vieira elabora seu raciocínio a partir da etimologia da palavra “ladrão”: “Antigamente os que assistiam ao lado dos príncipes, chamavam-se laterones. E depois, corrompendo-se este vocábulo, como afirma Marco Varro, chamaram-se latrones.” Mas a denúncia profética de Antônio Vieira não se dirige apenas aos conselheiros e ministros, os quais se revelam assessores pró-corrupção. Com destemor e ousadia, o Isaías do século XVII, investe contra os próprios reis ao dizer: “são companheiros dos ladrões porque os dissimulam; (...) porque lhes dão postos e poderes; (...) porque talvez os defendam, e são finalmente companheiros, porque os acompanham e hão de acompanhar ao inferno”.

Contra os que falam em anistia aos ladrões do dinheiro público, preleciona que o perdão para o furto não se pode conceder ante o simples arrependimento, “porque se não perdoa o pecado sem se restituir o roubado, quando quem roubou tem a possibilidade de o restituir”, diz Vieira, citando Agostinho. Sua tese é que se alguém lhe furtar algo, você pode perdoar, caso haja arrependimento e restituição. Mas o Estado não pode perdoar; deve punir e forçar a restituição. “A razão da diferença é porque a fazenda do particular é sua: a do rei (presidente) não é sua, senão da República”.


Termina Antônio Vieira seu sermão pedindo a Deus que inspire a todos os reis, para que, “não elegendo, nem dissimulando, nem consentindo, nem aumentando ladrões, de tal modo que impeçam os furtos futuros, e façam restituir os passados...” “Bem quisera eu que o que hoje determino pregar chegara a todos os reis”. Verberando com Vieira, quisera eu que os Poderes da República do Brasil, onde os latrones se multiplicam (contemplados com a impunidade), ouvissem esse contundente apelo ao arrependimento.

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